quarta-feira, outubro 26, 2011

Serro do Cote

A origem fascina-me. Apesar de não ser linguista, acho curioso conhecer a origem das palavras. Apesar de não ser engenheiro, tenho interesse em saber o que está por trás de uma invenção. Apesar de não trabalhar em Biologia do Desenvolvimento, a teoria da origem das espécies (e de tudo o resto) é, nada menos do que interessante.

Para além de tudo isto, sempre achei incrível como é que surge uma lenda. Não sou católico, e por exemplo, tenho muita curiosidade em como se conseguiu convencer alguém da história, por exemplo de Maria. Será como chegar à casa do vizinho do lado, que mora aqui desde que o prédio foi construído e dizer-lhe que a casa dele antes era habitada por espíritos, sendo que ele sabe muito bem que assim não o era. Não deixa porém de acontecer, essa estranha criação de lendas e mitos, convencendo absolutamente a outra pessoa, de uma dado que sabe que não terá sido bem assim...

Há porém, uma lenda que quero contar aqui, hoje, para a marcar na história...

Perto da vila de Ourique, do Alentejo, e ainda bem próximo de um monte ainda habitado, existe um serro conhecido como o Serro do Cote. Saindo do Monte do Cruzes em direcção ao Serro do Cote, passamos pela capoeira das galinhas, vazia, pois as suas hospedes passeiam-se livremente sem se afastarem do abrigo do monte. O trilho que seguimos passa pela antiga horta, onde os morangos esperavam para serem saboreados pelas crianças que outrora faziam a caminhada. Após o barranco, sobe-se um pequeno monte que mal faz acelerar a respiração. Do cimo deste pequeno monte, vislumbra-se o inicio desta lenda. O poço, de onde há imensos anos eu próprio tirei água para matar a sede a porcos, marca o início da subida. Ao olhar para cima não conseguimos ver ao certo o quão alto é o Serro do Cote, mas, o guia do percurso pede aqui para que todos paremos um momento. Há uma comunicação a fazer! A todos aqueles que se vão aventurar na subida pela primeira vez, há uma mensagem vital a passar, atrevo-me a dizer que é um caso de vida ou de morte! A todos aqueles que já conhecem esta história, não é de mais lembra-la...

Era uma vez, um rapaz chamado Cote, que habitava na aldeia ali perto, há imenso tempo atrás. Nessa altura, nem o Serro do Cote, nem o Monte das Cruzes tinham esses nomes, aliás, o Monte das Cruzes ainda nem deveria existir. O Cote era rapaz como qualquer outro, com o seu espírito de aventura bem marcado, mas uma pessoa simpática e sempre pronto a ajudar os outros, mesmo os seus piores inimigos. Com o seu espírito de curiosidade a chamar por si, Cote decidiu subir ao Serro mais alto dos arredores... Depois de parar no poço para guardar para si alguma água, Cote, decidiu começar a subida do serro, abrindo caminho por entre as silvas altas e os cardos afiados. A meio da subida, uma voz doce e suave, muito parecida a vento a soprar, chamou... «Cote... Cote...». O rapaz parou e pôs-se à escuta. Não fora seguido até ali e ninguém habitava naqueles lados, portanto, a tímida voz só podia ser algo da sua cabeça, ou quem sabe, o efeito do vento a soprar num dos sobreiros que preenchem a encosta. Mal retomou a subida, a voz fez-se ouvir de novo, num tom mais intenso e um tanto ou nada aflitivo... «Cote, ajuda-me Cote...». Novamente parado a meio da encosta, Cote esfregou os olhos e olhou à sua volta. Não via ninguém. Ainda não totalmente convencido, Cote retoma, uma vez mais a subida do serro. Agora, como se viesse de um túnel, a voz voltou-se a ouvir... «Cote, por favor vem ajudar-me Cote, imploro-te...». Agora, o rapaz da aldeia não teve dúvidas que havia mesmo ali alguém. O som da água era bem audível e, como prestável que é, Cote desceu a metade da colina que já tinha subido a correr como se tal gesto não consumisse forças, para salvar a rapariga que se estava a afogar no poço. Ao espreitar para dentro deste, Cote não viu ninguém, mas nos seus ouvidos, o seu nome ia sendo sussurrado, cada vez com menos força... Quando o som estava quase inaudível, Cote seguiu o seu instinto enfeitiçado e atirou-se para dentro do poço de onde nunca mais saiu, acabando por morrer numa tentativa de salvar uma voz apaixonante que chamou por ele.

Hoje, desde esse dia e para toda a eternidade, ninguém estará autorizado a subir ao Serro que recebeu o nome do rapaz, enquanto olha para trás. O que quer que aconteça na subida poderá fazer-nos parar, mas nunca olhar para trás. A vista do Serro do Cote apenas deve ser vista a partir do topo do Serro do Cote. E lá em cima, quando se ouve o vento, há mesmo quem ainda o oiça a chamar pelo Cote...

Resta dizer que esta história é ficcional: não há nenhum verdadeiro registo da existência de um rapaz com o nome de Cote, nem de qualquer afogamento no poço em causa, mas a lei é para cumprir: Que o Serro do Cote se suba sempre sem que se olhe para trás...

terça-feira, outubro 25, 2011

E faça-se algo...

Todas as noites... para ser sincero não são noites portanto, recomecemos,

Todas as madrugadas, após desligar a televisão e antes de me enfiar na cama, despeço-me do mundo, em termos de boas noites, dando uma ultima olhadela à Internet. Apercebo-me que, nestes meus primeiros dias de desempregado, nada de especial, ou pelo menos nada de novo, acontece. A televisão critica hoje as mesmas pessoas que criticava ontem, a rádio toca musicas do ano passado, ou tão similares que passam despercebidas e na Internet só se vêm mensagens de luta à crise, ou convites para o Sims Social.

Acabo portanto, o dia cansado, não de ter feito alguma coisa realmente produtiva, mas cansado de um dia em que cada segundo foi igual ao segundo anterior...

Numa tentativa de fugir a esta visão imutável, parti em busca de outros bloggers que possam ter algo de interessante a dizer, ou escrever. Numa busca rápida pelo Google, esse bichinho que sabe sempre quase tudo, encontrei pelo menos 2 blogues que me pareceram potencialmente interessantes. Assim, fico a aguardar que o dia de amanha seja iluminado por algo mais animado que um qualquer uma das coisas que me apareceu olho diante dos olhos...

segunda-feira, outubro 24, 2011

Privação da essência humana

Acabei de assistir a dois documentários sobre prisões, ambos do National Geographic.

No primeiro (Prisões da Oceânia), falava-se da vida de uma prisão australiana de alta segurança. O documentário confirmou as minhas suspeitas desde há muito: uma prisão é um sítio terrível onde viver. Sempre achei que se algum dia eu fosse preso, por qualquer razão, o pior problema não seria estar condicionado a um recinto fechado, mas sim coabitar com outros reclusos...

O segundo documentário, inserido na série Bastidores, ia mais a fundo e retratava uma prisão de celas solitárias. Neste caso, entrámos dentro de uma prisão nos Estados Unidos e vimos a decadência a que chegam pessoas que estão anos (ou décadas, em alguns casos) afastadas de outro ser humano. Não podem falar, não podem ver, não podem ler... tudo o que se relaciona com outro ser humano é-lhes pura e simplesmente retirado.

Enquanto que no primeiro caso, um ex-recluso tinha 25% de probabilidade de voltar à cadeia, no segundo essa possibilidade subia para 67%! Confesso que não me espantei pelas percentagens e se me tivesse espantado seria apenas e somente por serem tão reduzidas. Como é possível acreditar que uma pessoa pode tonar-se mais pacifica ao fim de 25 anos de total isolamento?

Fez-me imensa confusão ver algo tão humano privado por uma pessoa mostrar um comportamento que outros consideraram errado. A socialização (ou neste caso, a falta dela) é demasiado grave. Como animais sociais que somos, não faz sentido forçar um isolamento total para garantir correcção.

Aceito, claro, que pessoas potencialmente perigosas para a sociedade sejam vigiadas, presas, ou afastadas de qualquer forma, mas isso não requer um isolamento total e absoluto! Somos animais sociais e se não vivermos em sociedades, não poderemos treinar os nossos comportamentos.

Sinto a despoletar em mim algum respeito para com estas pessoas... este não é, de forma alguma, um castigo fácil...

domingo, outubro 23, 2011

10 minutos

Como cientista que pretendo ser, fará parte das minhas obrigações participar em conferências, seminários e workshops, de forma a divulgar o meu trabalho à restante comunidade científica e quem sabe, por vezes, mesmo ao público geral.

Na preparação de uma comunicação, passam-se horas em arranjos e arranjinhos, para ter um conjunto de slides que resumam satisfatoriamente o assunto a tratar. Nenhuma apresentação está concluída, sem que todos os tipos de letra estejam em harmonia, ou sem que as cores sejam as mais agradáveis aos olhos de quem talvez nem olhe para o ecrã projectado.

Um discurso coerente será preparado, treinado e optimizado para encaixar em 10 minutos de fama. São 10 minutos em que não podem faltar os agradecimentos obrigatórios à comissão por nos querer ouvir, em que temos de expor o nosso problema, os meios que utilizámos para o ultrapassar e por fim revelar o resultado de meses de trabalho e de conclusões.

Durante os 10 minutos em que falamos e passamos slides, apontando ocasionalmente o laser para o ecrã, os nossos olhos deambulam pela sala intimidade, recheada de pessoas com expressões bem marcadas. Aquele grupo está claramente perdido desde o inicio da sessão e não está a perceber nada. Aquele acolá não está interessado, menos mal. Este aqui mais perto está bastante concentrado e com cara de quem concorda, óptimo...

No final, uma salva de palmas (recompensante, atrevo-me a dizer,) assinala o fim de um enorme esforço. Surge uma sensação de dever cumprido e de prova superada. Um triunfo que não me dá uma medalha mas que me enche de sorrisos, por ter mostrado a mim mesmo que era capaz.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Uma viagem ao som da música

Com a entrega da dissertação de mestrado, enquanto aguardo por notícias dos empregos aos quais concorro, e antes que seja marcada a defesa da dissertação, ocupo o meu tempo com o descanso. Recupero a minha veia de leitor, redescubro jogos que jogava outrora, oiço podcasts sobre meditação e repouso horas a fio num sofá em frete de uma televisão.

Enquanto não posso elevar um campo de cereais para o nível três, porque os recursos só estão disponíveis dentro de nove minutos, e quanto o castelo me indica que a serração ou a mina de ferro necessitam da pedra que ainda está para ser recolhida, abro a minha pasta de música e eis que vejo listadas as musicas do novo CD de Sérgio Godinho (Mútuo Consentimento), musicas estas que adquiri e nunca as tinha ouvido...

Rapidamente me lembro de como era há alguns anos atrás. De como era perfeita a ideia de sair no carro, com o meu irmão, rumo a Montemor-o-Novo, para explorar a vista daquele castelo, ao som deste artista. Lembro-me de como adorava sentar-me (mesmo que fosse no chão) ao som de Sérgio Godinho e a ler, se a memória não me falha, um livro da saga Adrian Mole.

Encanta-me a velocidade com que nos esquecemos de quem fomos, mas mais ainda, da capacidade de pequenas coisas nos fazerem viajar para o passado de nós mesmos...

Sérgio Godinho faz-me sorrir esta noite ;)