quinta-feira, setembro 25, 2014

Fugir pela Janela

É estranho pensar que esta pode ser a última vez que desligas a luz e que espreitas pela janela que se mantém firme sobre ti. Quantas imagens podemos gravar para sempre na nossa memória? Na última vez que olho pela minha janela o mundo oferece-me um presente, uma vista mais bonita ainda. A chuva que empurrou o verão para outro lugar, fez nascer erva verde no terreno em frente, mas o frio da noite, ajudou a criar um nevoeiro místico e sombrio.

E as saudades? Será que alguma vez me vou lembrar do cão que ladra na casa da rua em frente? Quanto tempo vai passar até eu sentir falta desse ladrar pesado, de cão maduro e já um pouco cansado?

Os pés parece que ganham chumbo... não pela inércia de caminhar face às próximas etapas, mas sim uma aversão por perder o que tenho. O mundo lá fora avança, e a vista da janela mudará sem que a veja a mudar... Vou ter claramente saudades de viver onde me conheço suficientemente bem para que o terreno possa ser apalpado de olhos fechados. Até as árvores têm pena quando se mudam, tanto que sempre que podem, lançam raízes profundas pelo solo, para ali ficarem prezas para sempre e quando as cortam, há-de lá ficar sempre um pouco da sua marca, nem que seja a ponta da raiz.

Inspiremos novamente o ar que vem da janela...

terça-feira, março 25, 2014

Pensamentos vagos...

Os passos que segues, são os teus, não importa se arrastas os pés ou se marchas no seio um exército armado. O teu mapa é a tua mente, quer te conduzas pelo instinto que te faz sair na próxima paragem do autocarro, quer te conduzas pela bandeira do teu país à tua vanguarda.

Lembra-te dos passos que deste? Lembras-te de cada um dos goles que deste da bebida quente? Lembras-te dos sítios por onde decidiste não ir, apesar de te elevarem na montanha? Lembras-te do teu objectivo?

Não interessa o quão alto consigas voar... lembras-te? ... da ironia da águia, que caiu lá alto para morrer mesmo junto ao portão... ainda do lado de fora... Nem todas as águias conseguem voar por cima de todos os portões...

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Lume

O que é viver para além de cantarolar uma música, tendo como fundo uma guitarra um tanto ou quanto tímida, diante de uma fogueira improvisada, a céu aberto?

Viver é partilhar, não só bens, mas ideias e sentimentos. Viver, para nós, como animais sociais que somos, é entregarmos parte de nós próprios a outros... e receber de volta parte dessa pessoa. Estar vivo, é estar intimo com aqueles que juntos fazem de nós que somos. Viver é unir.

Não parece simples? Basta que nos aqueçamos o suficiente para ter a força que a fogueira requer antes de arder... e a lareira faz o resto. Pouco-a-pouco, a roda na fogueira vai-se alargando com pessoas que se vão querer juntar, e a distancia que aumenta cada vez mais até à fogueira não trás o frio, pelo contrário. O verdadeiro calor é trazido pelas pessoas. E à volta de cada fogueira deve existir apenas uma regra: Aceitar. Aceitar os outros que possam vir. Mas não é apenas aceitar, aquilo que queremos que faças quando te juntas. Queremos que aceites na totalidade e na plenitude do que a palavra aceitar implica. Aceita que a pessoa se sente ao teu lado... aceita que ela não se sente... aceita que a pessoa fale, pense e viva... aceita que a pessoa aceite... aceita que a pessoa se dê e aceita dares-te a ti... aceita-a na totalidade, como um todo que é, e como um todo que passarás a ser, e com toda a plenitude que compõe cada uma das partículas da visita recém-chegada.

E sempre que te apetecer levantar e sair, então levanta-te e sai, com a voz que quiseres, a proclamar a estrofe que assim entenderes, da música que mais desejares entoar. Foste aceite para ficar e para sair. Foste aceite para ficar e para voltar. Foste aceite para ficar e para nunca mais voltar. Foste aceite para que ao te levantares, sejas guiado pelos teus passos... e eu pessoalmente, desejo que os teus passos te guiem a um rio...

terça-feira, fevereiro 11, 2014

Queres manter essa imagem?

E não é que esta música não me sai da cabeça, até hoje?

É talvez mais uma Musa
Que me veste outra roupa
Ensina-me tudo o que sabe
Confiando-me o segredo

Talvez haja um sonho comum
Uma mesma luta que nos faz ser só um

Lembro-me de varias vezes
Ter sentido este sabor
O mesmo cheiro, a mesma imagem
Mas ha algo diferente

Quero partir nessa tua viagem
Vou sentir o mundo tal como o sentes

É talvez mais uma Musa
A quem devo esta canção
Este é o nosso elo
Mas quem sabe por quanto tempo

Sinto a falta desse teu esplendor
Sem ti não saio de dentro de mim


Hands On Approach: Mais Uma Musa
- Então, não a queres ver?
- Não!
- Queres manter essa imagem?
- Sim, ...

É a imagem do ovo estrelado, das batatas fritas e das salsichas, para evitar que eu coma as Sopas de Tomate... É a imagem dos papeis guardados debaixo da cadeira para eu queimar à leira durante o serão... É a imagem das agulhas a tricotar num dos bancos do corredor... É a imagem da cadeira ocupada à entrada da garagem, na noite de Verão... É a imagem da voz que me acorda com um "arriba"... É a imagem da pessoa que me vai ver brincar no quintal...

...

A primeira imagem que me vem depois de desligar o telefone, é da última vez em que a vi... Sentada a uma mesa do edifício de cor branca, mas de chão escuro, leu a novidade que lhe foi escrita em papel, porque o ouvido já não a deixa ouvir as vozes que antes lhe enchiam o coração... Parece não perceber, hoje está num dos dias em que parece pouco perceber e poucas pessoas reconhecer... demora-se a levantar os olhos e re-le a mensagem várias vezes... e quando levanta os olhos, não é para mim que o faz de imediato, mas para a pessoa com quem sempre viveu... para a pessoa com quem está de mão dada... como se a perguntar se é mesmo verdade... e com a confirmação, olha para mim por breves instantes, para desviar os olhos de novo ao papel e acenar afirmativamente com a cabeça...

... ainda tive a bênção dela...

terça-feira, janeiro 28, 2014

Janela

Quase não se nota a hesitação que antecipou a abertura da Janela.
- Valeu a pena? - pergunta a minha consciência.
- Sim, - respondo sorrindo apaixonamente - dá para sentir o vento fresco a bater na cara.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

9%

Há muito tempo que não fazia um post com conteúdo político, mas sinto-me forçado a escrever um. Ontem saíram os resultados dos projectos a bolsa de investigação com financiamento da FCT. Ontem foi divulgada uma espécie de carta de rescisão colectiva a diversos investigadores em Portugal.

Num efeito dominó, causado não só pela calamidade divulgada ontem, mas também pela calamidade que temos vindo a assistir nos últimos anos, considero que a investigação em Portugal está a correr grandes riscos. Considero que este será um dos períodos mais negros da nossa história científica.

Cada bolsa de pós-doutoramento que foi negada, é uma machadada em projectos que poderiam abrigar investigadores de grau académico menor como licenciados ou mestres... é um lugar que fica vago nas universidades e centros de investigação que têm apenas este meio para expandir o seu conhecimento científico. Cada cadeira que fica vazia é preenchida pelo silencio impune provocado pelas bocas que deixam de partilhar o conhecimento e de trazer inovação... E cada bolsa de doutoramento negada, é só uma machadada que se dá com quatro anos de antecedência.

É a ciência que trás a inovação e a tecnologia. É a ciência que alimenta um povo que produz menos comida que aquela que consome. É a ciência que cria as respostas para as perguntas que desconhecemos. É a ciência aquele ramo que nunca deixa de procurar e que nunca deixa de tentar. Acabe-se com a ciência quando se quiser acabar com o progresso, porque nunca na história foi possível progredir sem investigar, sem conhecer e sem desenvolver.

Em Portugal estamos a assistir a um dos maiores ataques à ciência alguma vez visto.

O que ai vem não é famoso e apesar de directamente ainda não me tocar, a perspectiva de não me ver num dos futuros que poderão existir, é agoniante.

Um dia percebi que nós, investigadores, éramos heróis. Que vivíamos com condições de trabalho precárias, sem direito a qualquer subsidio ao final de anos com bolsas de investigação. Que vivíamos num estado em que o direito à greve é uma ilusão dado que trabalhamos por objectivos. Que somos uma espécie de freelancers algemados a um contrato de exclusividade mal pago. E que mesmo assim somos os melhores, e que mesmo assim fazemos pela primeira vez algo que nunca ninguém fez, e que todos os dias levamos para um pouco mais longe aquelas que são as barreiras do conhecimento.