
Assim, fala-se de tambores gritantes, carroças musicais e ranchos populares tudo no seguimento do convite para comemorar uma festa de anos de um grupo que não me agrada, rodeado de uma bebida que não me mata a sede. Recuso o convite numa nota mental e digo oralmente que vou ver se consigo ir. Não fui!
Disse escrevendo, José Saramago, que contar dois acontecimentos que tenham ocorrido ao mesmo tempo é injusto para um deles, porque acaba por ser contado sempre em segundo lugar... Apesar disso, deverá ter sido à mesma hora que a festa estoirava na tenda ao lado do mercado que eu me apercebi de mais um fantástico e poderoso mecanismo de segurança do nosso pensamento.
Eu não vou à festa da carroça, da mesma forma que o bailante não trabalha para ganhar um prémio Nobel (bem, na verdade nem eu... mas gostava). Num instante, porque o pensamento tem a capacidade de ocorrer num espaço de tempo tão curto que as imagens quase surgem ao mesmo tempo, caras familiares lembram-me momentos pontuais da nossa vivência em conjunto. A ideia relembrada é de que "não vou conseguir, para que tentar?"
Quantas coisas recusamos à partida por sabermos que não somos capazes de as atingir? Encostamos-nos à sombra de uma ideia abanada, para não termos o desprazer de fracassar no caminho, de nos ferirmos na batalha ou de morrermos de bandeira branca erguida. Parece que nós mesmos, nos metemos a nós próprios apenas onde nós conseguimos nos superar... tudo o que for superior a isso é por nós imediatamente recusado. Quando mais acessível for o objectivo, menor a queda em caso de queda.
A questão em que interessa ainda pensar é quantas são as coisas que perdemos, por não nos metermos na posição em que nos devíamos ter metido? Corremos o risco de estagnar, se não esticarmos o pescoço o suficiente para chegar às folhas que estão onde apenas as girafas chegam. No que toca ao nosso desenvolvimento pessoal, intelectual e social, pelo menos... pelo menos a estes, as ideias Lamarquistas não são assim tão disparatadas.