terça-feira, fevereiro 28, 2012

Noite

É serena e calma, como seria a água de um oceano se lhe retirássemos o vento, ainda que numa Noite perfeita, se sinta aquela brisa suave a bater o rosto. A sua calma sente-se ao longe e o silêncio é aconchegante, mesmo para aqueles que têm medo do escuro. Algures numa cidade, numa vila, quem sabe se numa aldeia ou mesmo num monte mais remoto, um galo há-de cantar, um cão irá certamente ladrar e uma pessoa irá ressonar. São testemunhas da sua passagem, tranquila, porque ninguém a quer a correr. Senhora do seu nariz, quando o seu amor platónico Dia decide descansar, noctívaga, a Noite, sai para passear. Por vezes, passeia-se de mão dada com a Lua, trazendo luz aos poucos lunáticos que, por vontade ou obrigação, saem de suas casas para as cumprimentar. Noutras vezes, deixa a candeia em casa, impondo uma escuridão negra e terrorífica, capaz de assustar o mais antigo dos caseiros na mais antiga das casas.

Apaixonados pelos seus encantos, alguns, não muitos, reúnem-se para aclamar ao seu poder, fazendo rituais dos mais diversos tipos, com incontáveis objectivos diferentes. Dentro deste grupo de crentes, há os solitários, que invocam dentro de si as suas preces, entregando-as às forças da senhora escura.

Ali ao lado, ou muito distante, os foliões festejam. Entre colunas, conversas, rodeados de luz, mexem os seus corpos sedentos de líquidos. Sentem que estão vivos e dão graças à senhora do descanso, se bem que por vezes, lá está, incomodam ruidosamente aqueles que estão efectivamente a descansar.

Estes últimos, aqueles que ousam dormir na sua passagem, perdem o seu encanto. Sempre que ela se instala nas suas proximidades, recolhem-se invocando a senhora dos sonhos. Estes não vêm o seu encanto… estão cansados de terem acompanhado o senhor Dia. Submergem-se em devaneios da mente, escutando o que um sonho imaginado lhes tem para contar.

Atenta nas diferenças este ser periódico! Não incomoda os crentes, sorri ao passar pelos foliões e acautela-se no barulho quando atravessa por um sonhador. Para si, todos têm lugar, mesmo os mais resmungões. Oh, os resmungões! Estes indecisos, ora reclamam porque ela vem a caminho, aparecendo antes que o trabalho do dia termine, ora reclamam porque ela se apressou um pouco mais, saindo antes que a bateria do sono descarregue. Não lhes dá troco e segue o seu passo.

Diz o mais conhecedor, que a senhora dos medos não simpatiza com o Verão. Quando este primo vem de visita, a Noite acelera o passo. Não se sabe ainda que zanga terá acontecido entre os dois, mas já vem de longe e não parece que se consiga negociar a paz nesta guerra.

Tem inveja o senhor vermelho das barbas brancas. Aquilo que ele faz uma noite por ano, faz a senhora do silêncio todas as noites. Tão certo como as estrelas brilharem (independentemente de haver ou não cortinados de água a tapar a vista), a Noite sai à rua, todas as noites, percorrendo cada canto do nosso mundo! Abençoada seja pela paciência que tem…

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