sábado, fevereiro 11, 2012

Pensar de asas

Os fones ligam-se ainda aos walkman. Não me lembro que musica deixam ouvir, mas será cassete, certamente, porque nenhuma rádio seria a perfeita banda sonora. Apostaria que Neva sobre a marginal, ou talvez que exista uma Baía de Cascais. Um corpo contorce-se para passar pela porta, por baixo da persiana apenas parcialmente fechada. Foi deixada assim de propósito para que, àquela hora da noite, se pudesse passar de um lado para outro, mas foi suficientemente fechada para que, através do cortinado, qualquer um pensasse que estava imaculadamente encerrada. Por vezes, ou porque a noite de Verão soprava a Outono, ou apenas porque era mais confortável assim, uma manta velha cobria o chão da varanda, deixando repousar ou dentro de si, ou acima de si, o corpo de um vulto.

De barriga para cima, vejo estrelas. A luz da rua não me dá uma grande visão e acabo por não ver nenhuma a cruzar os céus.

Lembro-me do carro que todas as noites chegava à mesma hora. Os dois ocupantes ficavam a conversar protegidos pelo silêncio dos vidros e alheios ao meu olhar de cima. Amantes certamente, ou pelo menos esta é a melhor justificação para ali pousarem os pombinhos, antes dela sair e se deslocar a pé 2 quarteirões e por fim entrar no seu prédio, não sem antes acenar ao seu companheiro de viagem que passa de carro, abrandando ali. Imaginação, certamente, que a visão não me chega tão longe, mas há um sorriso naquele rosto!

Vivo numa altura em que não preciso de meditar, porque tenho a minha varanda. Torno-me naquilo que sou, ao tomar as mais importantes decisões que tomei até hoje. Pensei e com o meu pensamento moldei a minha personalidade. Decidi como seria e sempre que o desejo era inalcançável, aprendi a viver a comigo mesmo. Dentro do meu próprio corpo. Ao fim e cabo, ninguém disse que já nascemos a saber viver.

Decido que quero pensar e penso. São minhas testemunhas as estrelas, e, uma vez por mês, uma lua cheia. Não sabem, nem querem saber sobre o que penso eu. Muitas das vezes nem eu sei sobre o que penso. Deixo-me ir. Ali, na varanda do terceiro andar, deitado, sou livre. Posso voar para onde quiser e deixo-me ir. Não sou levado pelo vento, porque essa não é a minha vontade. Sou suficientemente livre para não ter de ir ao sabor do vento. Vou por mim. Vou pelo que quero, como quero e quando quero. É o meu cérebro que me leva. São as minhas sinapses, mudas mas luminosas, alheias aos elementos que me rodeiam.

Pensar! Onde quer que estejamos e qualquer que seja o momento e as consequências desse ato, pensar, só pode ser uma virtude... e se ao pensar perdemos aquela oportunidade, então que pensemos mais um pouco. Porque pensar é sabedoria. Porque para a próxima é só pensar na escolha certa, na lição aprendida e sabida.

Sábios e virtuosos são os que pensam, bem ou mal, porque pior do que pensar mal, é não pensar!

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